"Qual a maior riqueza de um homem?", ele se perguntava. E sempre foi desses, indagador da existência humana, um exímio antropólogo por natureza, desde quando se entende por gente. Aos doze, perguntou a seus pais qual era a definição de amor e todo universo do romantismo que vira na televisão. Logo foi desacreditado pelos pais que o resumiram num simples "conto de fadas". Um pouco mais espichado, aos quinze mais ou menos, vivia a pesquisar coisas como "o homem e seus sentimentos" e "a natureza humana e seus mistérios", e pouco perdia seu tempo com as disciplinas triviais da escola. Tanto que nunca foi um aluno do qual os pais pudessem se gabar, apesar de ser um garoto muito prestativo. Entre suas divagações, encontrou o destino que espera por todos os adolescentes: os desejos da carne. E viu que nem só de ideias vive o homem, mas também de ações. Porém, seu maior questionamento, aquele que o fazia meditar todas as manhãs enquanto observava sua mãe coar o café, aquele que ninguém nunca se atreveu a responder, nunca fora findado.
Aos
dezoito, a caminho da faculdade de ciências sociais, esbarrou-se. E
derrubou-a. "Desculpe-me, pois sou muito desastrado", disse
à pobrezinha estatelada na calçada. Ela, meio atônita,
desculpou-o. Pediu que tivesse mais atenção ao caminhar por ali,
porque não adiantava mais pensar sobre a bezerra uma vez que sua
morte já era fato consumado. Riram-se. E foi aí que ele viu, pela
primeira vez, suas mãos tremerem e seu fôlego esvair-se. Foram-se,
cada qual para o seu devido lado. Ela, linda, olhos claros, cabelos
longos, voz fina e calma rumando ao norte para a casa dos novos
vizinhos, ele totalmente perdido sem saber se continuava seu trajeto
ou se apenas ficava ali sufocando naquele sentimento tão novo e
apavorantemente inebriante. Desde então, duas seriam as indagações
que o afligiriam por longos meses: "qual a maior riqueza do
homem?" e "o que era tal sentimento?".
Enquanto não
encontrava suas respostas nos livros de Freud, começou a se
aproximar dela, meio sem querer, meio querendo por demais. Foram-se
conhecendo, pouco a pouco, diariamente, sem deixar que a carroça
atropelasse os bois. Apaixonaram-se. Ele era uma nova pessoa, ainda
indagadora das maiores inquietudes da humanidade, mas perdidamente
dedicado a fazer uma garota feliz; ela, cada dia mais estudiosa, se
pegava sonhando acordada em poder vê-lo com mais frequência, já
que seu coração pulsava mais forte apenas de ouvir sua voz a
chamá-la no portão. E se permitiram viver esse amor. No auge de
seus vinte e cinco anos, casaram-se e constituíram um lar. Simples e
modesto e cheio de todo o amor que a cidade jamais vira em anos de
existência. Todos os admiravam, eram tão vivos e cheios de sonhos,
cheios de companheirismo. Tiveram filhos, tão lindos quanto o casal.
Um casalzinho: o menino era a cara do pai, a menina, uma princesinha.
Queria eu
continuar a contar sobre os dois, sobre suas aventuras, seus feitos,
suas ideias, seu ninho de amor, o crescimento de seus filhos. Queria
eu poder continuar. Queria eu não ser obrigado a parar bruscamente.
Queria eu ter evitado aquele acidente, aquela morte, aquele choro
desconsolado da tão moça viúva e de seus pequenos órfãos de pai.
Não pude. Ela, quinze anos depois, ainda vive bem, da maneira que
Deus a permite. Conseguiu voltar a sorrir, um sorriso incompleto, mas
um sorriso. Seus filhos, já formados, são seu orgulho. E,
certamente, seriam o do pai também.
Hoje, bem
cedinho, estava ela lá, organizando as coisas que a recordavam dos
dias felizes ao lado dele, quando se depara com um bilhete. Escrito a
próprio punho por ele, num papel já amarelado pelo tempo, datada de
um dia antes da tragédia. Dizia ele assim: "Encontrei
a resposta que tanto procurei por toda minha vida. E, ao contrário
do que dizem, não foi tão difícil assim. A maior riqueza de um
homem se chama Cecília, Joaquim e Clarinha. Se chama família. Se
chama amar!"
Professorzim brasiliense, formado em letras, amante de (boa) música e rato de jogos online. Um cara que não é um poeta, mas que se arrisca a brincar com as palavras. Nem de longe um boêmio, tampouco um insensível nato. Gosta de ficar em casa enchendo os "pacovás" das irmãs e ouvindo o cantarolar de sua mãe. Coleciona fotos e lembranças das viagens que já fez e planeja muitas outras. Alguém que agradece a Deus diariamente o dom da vida e a graça de ter uma família com quem pode contar.
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