O amor é brega
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Mas o fato é: eu já havia morrido muito antes do meu corpo. Gostaria, mas não tenho como listar aqui todos os motivos, em ordem cronológica, que me levaram a disparar aquela arma.

Poderia começar pela infância, ironicamente feliz. Poderia falar de uma adolescência regada à discriminação, fuga, rejeição e revolta — ainda que cheia de descobertas felizes e libertação através das mais diversas formas de arte. Poderia, também, citar alguns dos tombos que levei já na fase "adulta", mas o fato é que não foram os acontecimentos que me levaram a estar, agora, deitada no chão do banheiro.

Foram as sequelas, as feridas invisíveis e as lembranças anticoagulantes. São infinitas as minhas cicatrizes, mas são inúmeros os ferimentos que ainda ardem. Não há merthiolate ou band-aid que faça sarar. Não tem beijinho de mãe ou remédio de vó pra curar. Não há tempo suficiente para cura. Não nesta vida.

(...)

Levantei cedo naquela manhã. O sono ultimamente não tem sido muito companheiro, então ficar sem dormir tem sido tarefa fácil. Me despi lentamente, joguei o pijama na cama e fui em direção ao chuveiro. Nunca gostei de banho muito quente, mas naquele dia coloquei no modo "inverno" e deixei que a água me queimasse a pele. Me vi avermelhando debaixo d'água e foi como ver minha pele descendo pelo ralo. Misteriosamente, não doeu.

Fiquei alguns bons minutos ali, sem me preocupar com a conta de água ou energia que chegariam no fim do mês. Desliguei o chuveiro e, ainda molhada, parei na frente do espelho, tão embaçado quanto minha visão. Abri a última gaveta do gabinete e lá estava ela. Minha entrada para a libertação. Pronta para uso. Engatilhada e carregada.

Observei meu reflexo por alguns minutos, enquanto sentia um constante gosto de sal se espalhando pelos meus lábios e pingando em meu peito. Já não incomodava mais. Me acostumara a senti-lo diariamente. Minha pele, ainda vermelha, refletia tudo que queimava do lado de dentro e só restava uma forma de alívio. Só havia uma solução para todo ardor.

Não quis fechar os olhos. Precisava assistir a cena, até o fim. Precisava me ver caindo. Enfim, puxei o gatilho e observei atenta aos destroços do meu reflexo marcando o azulejo e se espalhando pelo chão. Vi meus olhos se tornarem reflexo do teto branco, vi meu corpo refletir o sol que entrava pela pequena janela ao lado do chuveiro e vi minhas pernas refletindo a pia encharcada. Vi minhas mãos espalhadas pelo chão. E — ironicamente — sorri. Enfim, liberdade.

Naquela manhã eu matei o meu espelho, assassinei meu reflexo e decidi que só voltaria a encará-lo no dia em que fosse capaz de me reconhecer. Desviei os pés dos pedaços de mim, voltei ao quarto, escolhi um vestido de flor e saí dando bom dia para a primavera.

— Vou ao psicólogo hoje. E nós precisamos de um espelho novo pro banheiro. — disse, na mensagem enviada ao contato que carrega o nome de "amor".

Eu puxei o gatilho, mas o que eu matei foi a imagem distorcida que nada lembrava a mulher forte que me tornei. O que eu matei foi a fraqueza e a falta de coragem de buscar ajuda, quando ela está tão perto e acessível. Matei todos os julgamentos que eu carregava e que berravam "você não precisa de ajuda, precisa de vergonha na cara".

De vez em quando precisamos nos enxergar aos pedaços, para, enfim, podermos nos refazer.

❁❁❁
GISELLE F..
É uma pernambucana por nascimento e paulista por consequência da vida. Escritora, blogueira e brinca de ser poeta de vez em quando. É a típica mulher-eternamente-menina que, apesar de ter cicatrizes profundas, nunca deixou que seu medo lhe impedisse de se aventurar mais uma vez. Quando sente demais, transborda em palavras.


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Eu sempre fui muito calado. Na minha. Esse negócio de conversar com várias pessoas ao mesmo tempo nunca me encheu os olhos. Talvez fosse um tanto quanto antiquado, ainda mais levando em consideração que eu estava no auge da juventude. Eu não me isolava completamente do mundo. Nem podia. Minha família é extrovertida demais para deixar quem quer fosse quieto no seu mundo particular, mas nas horas vagas eu escolhia meu quarto como santuário para ler os livros que gostava e passar o tempo. Vamos dizer que minha vida era bem normal. Fase de vestibular, você bem sabe como é: estudo, mais estudo, mais pressão de tudo que é lado. Difícil é conter os ânimos. Eu já estava encaminhado. Já havia escolhido o curso que iria prestar — arquitetura — e estava me dedicando para a Fuvest daquele ano.

Mas nem tudo na vida acontece da forma que a gente espera. De repente tudo muda de lugar o que estava certo vira do avesso. Lembro como se fosse agora a notícia da morte do meu pai. Fiquei por alguns segundos sem respirar. Só me sentia disposto a chorar. Chorei calado durante horas. Um filme passava na minha cabeça. Me lembrei dele correndo comigo pelos parques da cidade, das tardes de domingo regadas a futebol e gargalhadas com sabor de pipoca. Lembrei dele me incentivando a nunca desistir, das conversas intermináveis que escorriam a madrugada e me faziam explorar, ainda que do meu quarto, universos particulares. Lembrei dos conselhos que ele ofertava, da preocupação de me ver sendo alguém nessa vida. Do exemplo que ele se esforçava em ser. E naquele instante me senti vazio. Perdido. Totalmente atormentado pela morte. Íamos comemorar as notas altas e o emprego novo da minha irmã naquela noite, mas no segundo seguinte me vi com os planos mudados pelo destino e, ao invés de escolher um agasalho para o jantar, escolhi o casaco preferido dele para ir me despedir do meu herói.

Daquele dia em diante tudo mudou. Nada permaneceu no lugar. Dentro de mim uma sensação esquisita de vazio ganhava forma de saudade e vez em quando de descrença. Me questionei inúmeras vezes o porquê. Achei injusto algumas outras tantas. Me recolhi. Se antes eu não saia de casa, agora menos ainda. Me afundei na falta que sentia de tê-lo por perto. Ninguém estranhou. Era natural. Para muitos eu estava vivendo o luto da forma que encontrei. Mas passados três meses tudo ficou insustentável e a saída que encontrei para acabar com aquele sofrimento era ir de encontro ao meu velho.

Pensei na dor que iria causar, mas o desespero era ainda maior. Não era egoísmo. Não deixei de pensar um só segundo na tragédia que iria deixar para ser digerida por meus entes queridos. Imaginei as perguntas que se fariam. Provavelmente tentariam encontrar culpados para o rumo que escolhi trilhar. Não foi algo fácil de decidir, mas foi preciso. Eu estava sufocado. Sem rumo. Sem expectativa de uma vida mais leve. Eu me via sozinho e isso não me fazia bem. Eu queria tanto ter tido tempo de viver outras coisas, de ter construído pontes em busca de meus sonhos. Queria mesmo ter feito diferença, não por mim, mas por ele, que se despediu sem ter de fato algo que o fizesse se orgulhar de mim, de quem eu era. Foi então que, numa segunda-feira acalorada de primavera, escrevi um bilhete me despedindo:

“Eu tentei. De todas as formas possíveis e impossíveis. Tentei dar continuidade aos meus sonhos, aos meus estudos, a tudo que me comprometi viver, mas não pude. O medo foi embora. A raiva também. Mas não vejo motivos para continuar. Me sinto sozinho, esquecido num canto qualquer dessa vida maluca que nos engole com suas rotinas puxadas e essa falta constante de tempo. Nós sabemos que não tem sido fácil lidar com o vazio da ausência e por isso quis deixar claro que vocês fizeram por mim o que podiam, me perdoem pelo excesso de silêncio, por não deixar pistas, no fundo não queria correr o risco de mudar de ideia. Não queria que me fizessem desistir do caminho que escolhi para mim. Espero que um dia possam me perdoar. E acreditem, apesar de toda dor que essa passagem pode nos deixar, eu estarei bem.”

Deixei o bilhete em cima da escrivaninha, me encaminhei para a cozinha, cumprimentei minha mãe com o “boa noite” de sempre, esbocei que iria pegar algo para comer e decidi terminar tudo da forma que me sentia: sufocado por sentimentos que não podia digerir. Talvez eu tenha sido fraco. Não sei. Talvez eu devesse ter procurado mais pessoas para conversar. Me abrir. Contar como eu me sentia. Mas agora é tarde e a vida segue do jeito que deu.

❁❁❁
MARCELY PIERONI.
Escritora, administradora e chef de cozinha por escolha. Perdeu o medo de sair do lugar e desde que começou a publicar seus textos coleciona viagens onde pode abraçar seus leitores e estar mais perto daqueles que acolhem sua baguncinha. Palestra e conta histórias para crianças. É sonhadora de riso frouxo.

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Dois comprimidos de 100mg e uma caneca de chá de maracujá em cima da cabeceira. Dormir nunca foi tão difícil quanto agora. Tornou-se um ritual penoso. Na verdade, o receio de Diana não era dormir, e sim, o despertar. Era justamente acordar e ver que não foi um pesadelo, que tudo continuava exatamente igual ao dia anterior: uma bagunça aparentemente sem solução.

Toda manhã era um novo desafio. Diana não sentia dor, mas até gostaria. Viver era, nos últimos tempos, como uma anestesia interminável.

Ela não conseguia descrever o que estava passando. Sentou-se em frente ao computador, desativou todas as suas redes sociais. Uma por uma. Não queria mais ter obrigação de postar fotos sorrindo como se tudo estivesse bem. Não suportava sequer os elogios de "que sorriso lindo você tem". Como se não tivesse nunca o direito de salgá-lo com lágrimas. Também não queria mais postar várias fotos de pratos gourmet que inventava, sendo que na verdade não comia praticamente nada há duas semanas.

Sem Facebook, twitter, Instagram ou snapchat, começou a navegar por vários fóruns na internet pra tentar achar alguém que conseguisse entender aquele nó na garganta misturado com não-sei-o-que. Leu dois depoimentos, três, quatro, vinte. Até chegar ao depoimento de Fernanda. Uma mulher com sua mesma idade que tinha deixado um desabafo registrado no site dois dias antes de cometer suicídio. Diana se identificou com cada palavra e dentro de si lamentou não ter lido antes pra quem sabe, poder ajudar de alguma forma. Pra pelo menos dizer: "Ei, você não está sozinha! Eu sinto a mesma coisa".

No depoimento, Fernanda contava como a depressão a fazia enxergar o mundo. "Oi, meu nome é Fernanda e tenho 32 anos. Queria dizer mais sobre mim, mas isso é tudo que me lembro. Já tem alguns meses que vivo em câmera lenta. Aliás, sobrevivo. Eu não pertenço mais a esse mundo, apenas o assisto. E ele de tão ruim é como uma programação de TV aberta num domingo a tarde. É um filme repetido que eu não aguento mais. Tudo continua acontecendo. Eu vejo os carros passarem, as pessoas indo trabalhar, as crianças voltando da escola, os cachorros fazendo xixi no mesmo poste. Tudo continua igual, mas eu vejo em slow motion. O mundo não parou de girar, mas pra mim, quase. Os dias parecem ter o triplo de 24h. Sobreviver tem sido assim: assistir um programa ruim em câmera lenta e ainda sem comer pipoca. Não, essa não é uma carta despedida. Eu já me despedi há muito mais tempo".

Diana era o típico perfil de pessoa que ninguém — baseado em senso comum — iria imaginar que passaria por um quadro depressivo. Ela era de uma simpatia notável e vivia com um sorriso enorme bordado no rosto. Tinha gargalhada fácil, saía bastante, ativa nas redes sociais e vivia rodeada de amigos. Mas se engana quem pensa que a depressão é exclusividade de pessoas que apresentam melancolia.

Diana estava há mais de 30 dias afastada do trabalho. Por ser servidora pública, tinha essa segurança ao menos de não perder o cargo. Apesar de odiar o que fazia, era o que garantia o sustento dela e dos pais que moravam no interior. Mas, podia ter certeza que os comentários no trabalho eram os menos sensíveis possíveis. Até porque muitos colegas já tinham apresentado atestado de psiquiatra apenas pra tirar umas férias pra viajar ou porque estavam sem saco mesmo pra cumprir expediente. Infelizmente isso acontece com mais frequência do que se imagina, e não ajuda nenhum pouco no reconhecimento da depressão como uma doença que precisa de tratamento.

Julgamentos? Tinha de sobra. "Ah, ela é estável financeiramente, tem um namorado gato. Como pode ter depressão?". E a pior, mais frequente e cruel afirmação de todas: "Isso é frescura". Existe até quem queira ajudar, mas ainda carrega um preconceito velado nos conselhos: "Se você se esforçar, vai sair dessa. Você consegue". Realmente ninguém entendia. Ou melhor, Fernanda entenderia, mas não estava mais ali pra ajudar.

Diana não conseguia dormir, então começou a escrever. "Fernanda, sei que você não pode mais me ler, mas estou escrevendo mesmo assim. Eu me chamo Diana e tenho a mesma idade que você. Eu também lembro pouco sobre mim, sei pouco quem eu realmente sou. Faz tempo que só vejo o mundo girar como uma roda gigante enferrujada, mas não saio do lugar. Queria mesmo que a vida fosse um filme pra eu poder rebobinar a fita (esse verbo ainda existe?) e ter lido seu depoimento a tempo. Parece mesmo que a vida não é justa, não é? Um abraço, cara desconhecida que me conhece tão bem".

Diana chorou. Há meses não sentia absolutamente nada. Nem fome, nem frio e muito menos emoções. Dessa vez a história de Fernanda a comoveu. Ela sentiu um aperto no peito. Já era quase duas da manhã, mas pegou o celular e discou.

— Alô? Victor?
— Amor? Aconteceu alguma coisa pra você me ligar de madrugada?
— Aconteceu, amor. Eu preciso falar sobre o que eu estou sentindo. Não posso mais fingir que está tudo bem.
— Mas você está tomando os remédios direitinho, não está?
— Estou. Mas não se trata disso. Preciso falar de depressão. Sem medo. Eu tenho depressão!
— Amor, mas é só uma fase. Vamos superar isso juntos, Di.
— Eu não preciso apenas de remédios. Também tenho que ser ouvida.
— Eu confesso que não sei mais como agir ou lidar com essa situação, Diana. Não quero dizer algo que possa te fazer mal. Vamos procurar um terapeuta amanhã?
— Vamos! Mas não desliga agora.
— Não vou. Vou cantar uma música feliz pra você antes que comece a ouvir Radiohead de novo, até você dormir.

Diana sorriu. S O R R I U! E quando Victor ouviu aquela semi gargalhada do outro lado da linha, não aguentou e começou a dedilhar Sidney Magal em seu violão:

— Ohhhh eu te amo! Ohhh eu te amo, meu amor. Ohhh eu te amo. O meu sangue ferve por você.

Os dois gargalharam. E ela até sentiu a câmera lenta do mundo acelerar junto com o seu coração.

❁❁❁
SUÉLEN EMERICK.
24 anos. Brasiliense que vê poesia no cinza do concreto. Jornalista que escreve por/com amor. Uso vírgulas e crases imaginárias pra contar histórias, e o coração pra vivê-las.

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❁ Ouça enquanto lê: Supercombo - Amianto ❁

E eu caí. Caí feio. Me vi jogada em um buraco negro que nomeei solidão. Não sabia pra onde ir, o que sentir, o que dizer. Vi apenas escuridão. Nem uma luzinha de vaga-lume em nenhuma parte. E apenas esperei. Aceitei estar ali e viver daquela maneira. E foi então que te vi.

Uma luzinha menor que um vaga-lume, meio falha, mas estava ali. Me chamou e disse que queria conversar. "Sobre a vida" — você disse. Não consegui pensar no que seria conversar sobre a vida com alguém. E então você me disse que ela "é como mãe quando nos obriga a comer vegetais", ela faz isso pelo nosso bem, ela sabe que faz bem.

Mas não quis aceitar isso. Não entendi o motivo de tanta dor fazer bem. Isso pra mim era inaceitável. Mas você se dispôs a me ajudar a entender. Você não saiu do meu lado, mesmo quando tudo o que eu queria era pular dessa sacada pra acabar com a dor.

Você me disse que não valia a pena acabar com a dor assim. Não entendi o motivo. Pra mim, era a única forma de acabar com a dor. Então você voltou ao início comigo, pra tentar entender minha dor, de onde ela vinha, como ela acabava comigo. Foi um caminho longo, tortuoso, que me assustava. Eu não queria ter que ver tudo isso de novo. Eu apenas queria acabar com a dor.

Mas você não deixou. Você se manteve ao meu lado. Durante minhas noites de pesadelos, minhas insônias por pensar demais, minhas crises de choro e dor, você esteve lá. Me ajudou a passar por tudo isso, por mais horrível que fosse. Nunca ninguém havia feito isso por mim. Nunca ninguém havia se mostrado disposto a me ajudar.

Mas tive medo. Medo de que você se cansasse e me abandonasse. E isso me corroía mais. Só eu sabia tudo o que se passava em minha cabeça e não queria assustar você com isso. Sempre fui taxada de louca por sentir algo que não conseguia controlar. Não queria que você fizesse o mesmo.

Era impossível conseguir explicar pras pessoas o que eu sentia, a dor que me corroía. A opção de me jogar dessa sacada e acabar com a dor sempre me pareceu mais fácil. A falta de compreensão das pessoas sempre me deixou pior. Elas achavam que eu apenas queria chamar atenção, mas quando diziam isso, doía mais. E eu só queria sumir.

E foi então que caí. Me vi sozinha, no escuro. Completamente sozinha, no meio de tanta gente que dizia querer ajudar. Mas fugiam após a primeira frase dita por mim. Eu estava no escuro, não via nada. Minha única saída era pular dessa sacada e acabar com a dor. Foi quando caminhava pra cá que esbarrei em você. E você me viu através da alma.

E me fez desejar mais pessoas como você no mundo.

Obrigada.
❁❁❁
MARINA COUTO.
21 anos, estudante de Letras, forrozeira e apaixonada por palavras. Escrevo pra me sentir livre, não tenho destinatário certo, acho que assim fico mais desapegada e escrevo Com a alma. Gosto de escrever para as outras pessoas saberem que não estão sozinhas. Quem vai ser meu interlocutor? Quem ler decidirá se aceita ser ou não. Se você se identificar, é um novo interlocutor, escreverei pensando que não estou só. Escreverei pra nós

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❁ Ouça enquanto lê ❁

Era escuro.
Do lado de fora e do lado de dentro. Todos os dias.
Era silêncio. Do lado de fora e do lado de dentro. Todos os dias.
Era ausência. Do lado de fora e do lado de dentro. Todos os dias.
Era abandono. Do lado de fora e do lado de dentro. Todos os dias.
Era medo. Todos os dias.

Tentava encontrar a tal luz no fim do túnel, alguém para segurar em minhas mãos e me puxar desse abismo que mergulhei e do qual não conseguia voltar, por mais que tentasse. Tentativa após tentativa, desesperadamente. Como resultado apenas mais dor, lágrimas, mais medo e uma sensação de que não havia mais lugar. Sem espaço para mais uma pessoa fadada ao fracasso. A vida era pesada, muito pesada.

Desistir era a saída mais fácil, por mais que doesse. A cada novo dia (nunca novo) urgia o desejo de algo além desse lugar, tão doloroso e tão solitário. Ao olhar para os lados, nada existia, nem ninguém. Onde estavam todas as pessoas que um dia estiveram tão perto? Só me restou a agonia de gritar em um vazio que era capaz de me engolir inteiro, sem deixar rastros. E esse vazio estava começando a me parecer tão atrativo. Deixar com que ele pudesse me engolir e me levar para qualquer lugar, que não fosse aqui. Ah, me parecia a saída mais real.

Um dia — tão escuro quanto os outros — decidi me jogar nesse abismo, que há tanto tempo tentava me sugar completamente. Tudo o que me perseguia todos os dias permanecia igual. Silêncio, ausência, abandono, medo. Nada mudara, nem mudaria. Acordar era obrigação que tentava, a todo custo, fazer com que não existisse mais. O silêncio e a escuridão pareciam ser o meu maior conforto, mas sem dor, sem mais medo, sem mais ausências. Precisava de um fim, sem final feliz, como nos contos de fadas que deixei de acreditar a muito tempo. Isso nunca foi real pra mim.

Como um último suspiro em meio ao que sufocava, peguei o telefone e enviei uma mensagem à uma pessoa que parecia se importar comigo. Não poderia ir embora sem me despedir. Parecia injusto — não sei se com ela ou comigo. Entre lágrimas e mãos trêmulas, digitei. Reli uma, duas, três... Cinco vezes. Era exatamente o que precisava ser dito, sem muitos lamentos, apenas uma forma carinhosa de agradecer pelas vezes em que tentou me tirar do abismo, mas eu não conseguia, precisava de mais. Mensagem enviada. Era chegada a hora de ter atitude e pôr fim em tudo, finalmente.

Silêncio. Escuro. Medo. Mas, uma esperança que não era conhecida. Mensagem respondida. Uma, duas, três... Várias mensagens. Ligações ininterruptas. Ela estava preocupada. Ela queria quebrar meu silêncio, estar comigo, me ouvir. Ela ouvia meus silêncios? Ela estava disposta a acender a luz? Ela parecia sentir medo de que não mais me tivesse por perto. Afinal, porque alguém como ela, tão doce, se importaria comigo — uma pessoa amargurada pela vida?

Em meio a tantas perguntas, adormeço. Antes de dar um passo sequer, outro silêncio fez morada em meio peito e, em meio a lágrimas de esperança, adormeci. Horas depois, acordo e o celular não tinha mais bateria. Procurei o carregador naquela escuridão, e liguei. Mais mensagens dela, mais ligações que se perderam. Pedidos desesperados. Respirei fundo e liguei. Ela atendeu em silêncio e, com receio, o quebrei, mostrando que estava ali. Ouvi suas lágrimas junto a um suspiro de alívio. Tentei explicar o que havia acontecido e, entre lágrimas, agradeci.

Precisava agradecer a quem, no fim de tudo, era com quem eu me preocupava em me despedir e era quem se preocupava em dobro que eu não me despedisse e permanecesse aqui. Vivo. Descobri que havia mais que apenas silêncio, escuridão, medo, abandono e ausências. Havia mais que isso. Ainda não era capaz de dizer o quê, mas ela me prometeu estar comigo, junto, e descobrir.

Entendi, que no fim de tudo, só precisava de alguém que ouvisse meus silêncios, e os fizesse barulho — ao menos uma vez. E ela segurou em minhas mãos. O abismo ainda estava ali, ainda me sentia caindo, mas agora alguém me segurava.

❁❁❁

MAGDA ALBUQUERQUE.
Magda Albuquerque. 26 anos. Prolixa. Psicóloga. Mistura realidade e fantasia em um encontro com a sua criatividade. Sempre em busca de tornar os dias mais leves com uma palavra ou outra, tentando organizar o próprio mundo. Escreve para organizar o próprio mundo, com a missão de colorir a vida - a sua e de todos.

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Você já parou pra pensar, que os melhores abraços são dados nos aeroportos?

Ninguém sabe quem tá indo, ou quem tá voltando. Se aquele casal namora há 2 anos, são casados há 30 anos ou, quem sabe, são apenas dois amigos morrendo de saudades de rirem juntos. Se olharmos pelo lado poético da coisa, veremos que os aeroportos são os lugares mais sinceros do mundo. Aonde os melhores abraços são dados e as mais lindas palavras são ditas. Um lugar onde a sinceridade é a base de tudo.

Aeroporto é um lugar bem curioso, por sinal. Eles simbolizam a chegada de um sorriso ou a ida de uma lágrima, nunca há um meio termo. É muito sentimento pra ser metade. Já vi pessoas passando pela porta de desembarque com um sorriso enorme estampado no rosto, carregando experiências e momentos, como já vi pessoas entrando pela porta de embarque, com um nó na garganta e os olhos cheios de lágrimas saudosas. Aeroportos é muito pra ser metade.

Tanta gente. Quantas famílias se despedindo, quantos casais se reencontrando, quantos amigos indo em direção a melhor viagem da vida deles? Quanto de tudo e tudo de muito. Tanto sentimento, em um único abraço. Por quê? Porquê os melhores abraços são os do aeroporto, sempre foram e sempre serão os mais sinceros e emocionantes, os mais felizes ou mais dolorosos. Eles sempre serão muito mais que simples abraços.

Então, quando for à um aeroporto, abrace e deixe ser abraçado. Veja, observe e sinta o valor de cada abraço ali dado. Ele pode ser o último ou o primeiro recebido, mas sempre será um abraço sincero. Porque nunca poderemos saber o que irá acontecer além daquela porta de embarque, porque os melhores abraços sempre serão os dados ou recebidos em aeroportos.

❁❁❁
LAYLA MOTA.
16 primaveras. Uma baixinha arretada e apaixonada por um ilustrador. Aspirante à blogueira, escritora e desenha nas horas vagas. Louca por fotografias e pôr-do-sol, cristã evangélica de corpo e alma. Coleciona sonhos, histórias e gosta de compartilhá-los com gente que gosta da gente.

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O seu sorriso não embaraça mais a minha razão. Posso esbarrar com você por aí que nada se transforma aqui dentro. Nada se desequilibra. É como se eu estivesse me imunizado a você nos últimos desencontros.

Talvez tenha sido naquela noite de sábado, quando a música alta ficou mais divertida que os meus dedos entrelaçados no seu cabelo; ou naquela manhã cinza de inverno em que você me deu bolo por conta do sono acrescido de um soneca no despertador. Ou talvez tenha sido por conta das mensagens que você leu e esqueceu de responder. Quer dizer, você vivia me deixando de escape, como se eu fosse uma saída certeira caso o plano principal furasse na última hora.

E parece que o jogo virou, né? Não me lembro de ter escrito qualquer bilhete que fosse pra você nos últimos dias. Também não atendi suas habituais chamadas da madrugada. E aposto que pensou que era só uma maneira de chamar sua atenção. Notei isso quando minha caixa de e-mails começou a se abarrotar com mensagens suas. Logo você, que detesta escrever mais de cinco linhas, escrevendo mini livros para saber o porquê do meu silêncio. Devo confessar que achei apelativo demais o excesso de emoticons que você usou. Sério, não precisava disso tudo não.

Eu nem te culpo por acreditar que eu fosse estar aqui quando tudo ficasse monótono demais para você. Eu sempre estive ao seu alcance. Duas palavras digitadas e eu já estava toda derretida em mensagens desconexas, prontas para te arrancarem sorrisos e acalmarem os ânimos. Eu era a dose certa de amor que te aquecia e depois te fazia sumir por meses a fio. Eu nunca fui prioridade e o mais dolorido é que eu sempre soube. E admito: não pensei que o jogo fosse virar. Quer dizer, no começo eu devo ter me alimentado com falsas esperanças e coisa e tal, mas depois que decidi apagar você aos poucos, tudo foi se encaixando e, de fato, passei a pensar menos em tudo que poderíamos ter vivido juntos e me concentrei em viver por mim tudo que poderia ter feito antes de você aparecer bagunçando tudo. Eu meio que recuperei o tempo perdido e, por consequência, te deletei por completo da carência.

E parece que o jogo virou. Seu olhar não me desconcerta mais, as frases bonitas não me convencem e suas piadas sem graça literalmente não me forçam a sorrir. Já não me preocupo com seus sumiços, mas noto suas tentativas frustradas de me chamar atenção com o excesso de curtidas em fotos velhas e mensagens clichês do tipo: “Tá tudo bem? Você não me escreveu hoje.” E você tem razão, não te escrevi hoje, não vou escrever amanhã e isso não quer dizer que estou aqui testando sua paciência ou te provando que depois que eu despertasse pra vida você finalmente me enxergaria e dentro disso construiríamos o nosso faz de conta feliz. Ao contrário.

Estou dizendo, em silêncio preenchido por ecos, que estou bem, que estou seguindo seus conselhos e estou deixando rolar. E não me culpe por a vida me encaminhar pra longe de você, o jogo virou e eu acabei descobrindo que você nunca me coube. Ironia ou não, a vida se ajeitou melhor com você daí e eu daqui.

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MARCELY PIERONI.
Escritora, administradora e chef de cozinha por escolha. Perdeu o medo de sair do lugar e desde que começou a publicar seus textos coleciona viagens onde pode abraçar seus leitores e estar mais perto daqueles que acolhem sua baguncinha. Palestra e conta histórias para crianças. É sonhadora de riso frouxo.

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Eu amo o jeito que você fala comigo, sutil, singelo e carinhoso, sempre com um sorriso nos olhos, mesmo que não esteja no melhor de seus dias.

Eu amo o jeito que você arruma seu cabelo de um jeito desarrumado, que te deixa mais lindo e te faz tão você, que molda seu rosto e te faz ficar com essa carinha linda.

Eu amo o jeito que você sorri pra mim depois de um beijo doce, sorriso de quem gosta de onde está e não quer sair mais.

Eu amo o jeito que você me solta em um abraço pra me olhar e me chamar de linda. Eu fico imensamente grata ao universo por ter me dado isso.

Eu amo o jeito que seu abraço se encaixa no meu e me traz segurança, paz e amor. Sem dúvidas é um dos meus lugares preferidos no mundo.

Eu amo a sutileza do toque da sua mão na minha enquanto caminhamos na rua. Me dá vontade de andar assim por qualquer caminho, apenas pra sentir o toque da sua mão na minha.

Eu amo a forma que você consegue alegrar meu dia, sempre simples, mas repleta de carinho e arrancando mil sorrisos de mim.

Eu amo a forma como minhas bochechas doem de tanto que você me faz sorrir.

Eu amo quando você, no meio de uma conversa, fica me encarando e me chama de linda, assim, no meio do caos um elogio. Um elogio que faz a diferença no meu dia.

Eu amo o jeito que você se faz presente nos meus dias, física ou mentalmente, sempre lá, mesmo que seja com um abraço virtual.

E eu amo mais ainda como me sinto desde o dia em que te conheci. Você despertou em mim um amor próprio que eu achava que não existia mais. Você me faz sentir linda, mulher, incrível. Percebi que sou completa e que você veio para me ajudar a transbordar, a distribuir amor aos quatro cantos do mundo e dizer que o amor pode sim ser sutil e surgir de onde menos se espera, e da forma mais bonita.

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MARINA COUTO.
21 anos, estudante de Letras, forrozeira e apaixonada por palavras. Escrevo pra me sentir livre, não tenho destinatário certo, acho que assim fico mais desapegada e escrevo Com a alma. Gosto de escrever para as outras pessoas saberem que não estão sozinhas. Quem vai ser meu interlocutor? Quem ler decidirá se aceita ser ou não. Se você se identificar, é um novo interlocutor, escreverei pensando que não estou só. Escreverei pra nós

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É engraçado como as pessoas surgem por acaso em nossas vidas. Sem maiores pretensões, talvez em busca de um pouco de curtição e só querendo conhecer gente nova.

Você baixa um aplicativo para conhecer pessoas e, mesmo estando lá de tempos em tempos, acaba conhecendo alguém interessante. Logo de cara você acha a pessoa bonita. Opa! Deu match! Uma semana depois surte o primeiro “olá!”. Das conversas esporádicas vem o número do whatsapp, as ideias em comum, os gostos estranhos por comidas exóticas, a certeza de que foi um golpe de estado e pronto. Rola o primeiro encontro.

Pizza, cerveja, risadas, música ao fundo e, algum tempo depois, como quem não quer nada, o primeiro beijo. Aliás, beijo não! Uma explosão nuclear! “Na minha casa ou na sua?”. Obviamente a primeira noite só termina num bom dia. As conversas se tornam frequentes, o final de semana passa a ser ansiosamente aguardado, as mensagens de “bom dia” e “boa noite” sempre vão, prioritariamente, à mesma pessoa. Saudade! Não é um “pensei em você”, é “saudade”! Tem um peso diferente, não é?!

Vontade crescente, churrasco com os amigos no sábado, desejo latente, praia no domingo, mensagem cheia de dengo, encontro no meio da semana, respostas monossilábicas, sumiço de dois dias, “o que houve?”, respostas vazias, “mas o que houve?”, sumiço de três dias, “devo ter feito algo de errado...”, PRECISAMOS CONVERSAR!

De repente tudo mudou. Você pensa que alguma besteira deve ter feito. Será que foi com sede demais ao pote? Mas estava sendo correspondido, não dá para ser isso. Intenso demais! Mas era recíproco. Daí você espera a conversa que nunca acontece. Não nos primeiros dias. “Ei, espera! Me conta! Deixa eu entender o que aconteceu!” Medo de gostar demais. Sim! Mesmo depois de você demonstrar a ela que quer tê-la ao lado, a desculpa dada é que ela tem medo de se envolver contigo.

O fantasma de relações passadas ali presente, cutucando a mente, impedindo que se siga adiante. Você é um cara bacana. E isso não é porque você se olha no espelho e diz, foi o que ela própria lhe disse. Você é, realmente, um cara bacana. Fez com que ela se sentisse novamente desejada por alguém. A tratou como ela não estava acostumada, se importou, deu atenção, ofereceu uma verdadeira companhia que havia tempo que ela não tinha. Ofereceu colo e abrigo, entrelaçou dedos, desfez nós, fez café, cafuné e a viu dormir sobre seu peito.

Mas o que era para produzir uma vontade a fim de construir uma nova história, deu lugar a um sentimento de insignificância frente àquelas últimas palavras: Desculpa! Eu não sou suficiente para você...

Ela desistiu. Jogou a toalha. Entregou os pontos. Deu game over na relação. Não por não gostar de você. Pelo contrário! Por gostar demais, talvez mais do que ela própria poderia suportar. Sucumbiu ao medo de seguir adiante. Você, que tinha um coração sobre suas mãos pronto para entregá-la, teve de recolhê-lo de volta ao peito.

Qual seria seu melhor argumento? Pedir para ela ficar? Esquecer o medo dentro de uma gaveta no criado-mudo, trancar e jogar a chave fora? Não adianta... Quando alguém resolve colocar o medo à frente de sua própria vontade, num exercício de autossabotagem, não há força, jeito ou reza que derrube esse muro. Respira fundo. Ainda que aceitar seja difícil, ao menos compreenda.

Há de se respeitar a decisão do outro de ir embora. No final das contas, merecemos o que permitimos vir até nós. Que resolva ficar ao seu lado apenas quem esteja disposto a sonhar tão alto quanto os seus sonhos. Que tal acreditar que, o mínimo que você merece, é ser feliz?

❁❁❁

VITOR VILAS BÔAS.

Baiano, professor de história, apaixonado por política, café basquete, fórmula 1, natureza e pizza de atum com catupiry. Hoje caminha sem muita pressa pelas ruas de Aracaju, deixando as ideias fluírem através do encanto captado pelos seus olhos e ouvidos. Anda, frequentemente, de sorriso e coração abertos, vivendo com a intensidade que os seus 30 anos ensinaram.

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Teodora prendeu os cabelos esbranquiçados — que tanto se orgulhava — em sua presilha folheada a ouro. Eles estavam longos, abaixo dos ombros, como Joaquim gostava. Ele dizia que amava sentir o cheirinho de jabuticaba que ficava na ponta dos fios após a hidratação. Teo parou alguns segundos em frente ao espelho e ficou se admirando. Era assim que ele a chamava carinhosamente. Bateu saudades. Sim, no plural.

Hoje era o seu aniversário de setenta e cinco anos. E o que não faltava em seu coração eram lembranças. Teo sempre pediu a Deus para que se chegasse na velhice, Ele proporcionasse à ela a graça de estar lúcida. E assim aconteceu. Teo sentia muitas dores pelo corpo devido a artrose e tomava agulhadas de glicose todos os dias por causa da diabetes, mas a sua mente? Essa continuava intacta.

O que era bênção, às vezes também fazia o coração de Teodora doer e ficar tão apertadinho a ponto de não caber mais uma agulha sequer. Aliás, elas eram boas companhias pra Teo que amava costurar. Estava terminando de bordar uma toalha em ponto cruz para dar de presente para a neta mais nova que iria se casar. Enquanto enfeitava a toalha lilás com o nome dos noivos e um ramo de flores, sua mente deu um reboliço e ficou envolta em memórias. De repente voltou-se ao dia do seu casamento, e os detalhes eram tão vivos, como se ela estivesse revivendo-os.

Quando casou-se, seu vestido era simples. Ela mesma o havia feito com a ajuda de sua irmã mais velha, que considerava como mãe. Ao todo eram uma família de oito irmãs e Teo tinha sido a última a se casar, quando completou dezessete anos. Sim, naquela época essa era a idade que as meninas "ficavam pra titia". Mas Teo orgulha-se de dizer que se casou por amor. Ao contrário da maioria de suas irmãs e tantas outras mulheres da década de 40. Teodora amava Joaquim e quando o viu a primeira vez, sabia que seria com ele que passaria todos os seus dias. Dito e feito. Tanto é que em praticamente todas as suas lembranças, Joaquim estava presente.

Sentou-se ao lado do amado e acariciou sua pele já enrugada pelo tempo.
— Meu amor, sou eu. A Teo. Sua Teo.

Eu gostaria de continuar esse diálogo, mas Joaquim nem sequer falava mais. Como não conseguia responder usando as palavras, apenas sorriu. Os olhos estavam marejados e transbordavam o sentimento mais nobre e bonito de todos: o amor. O Alzheimer tinha levado dele toda a sua lucidez, o fez esquecer como andar, mas não foi capaz de apagar esse amor verdadeiro. Ah, o amor! Esse ultrapassa o tempo e brinca com a nossa memória. Desconfio que o amor não foi mesmo feito para os lúcidos. Ele é a loucura mais bonita que existe.

❁❁❁

SUÉLEN EMERICK.
24 anos. Brasiliense que vê poesia no cinza do concreto. Jornalista que escreve por/com amor. Uso vírgulas e crases imaginárias pra contar histórias, e o coração pra vivê-las.

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Obrigada por ter sido quem escancarou as portas e janelas da minha morada de afetos.
Chegou pé por pé, pisando lento e silencioso e foi abrindo frestas, até que a claridade do meu mundo quase me cegasse. Derrubou meus muros, retirou minha armadura. Compreendeu minha mudez dolorosa. Abriu meus olhos, apurou meus ouvidos para as delicadezas que jamais ouvira de outros.

Escancarou meu riso.
Me deu cor, me deu tom.
Me deu coragem. Me deu a mão, o colo, o ombro. Me deu olhos famintos de amor.
Arrepiou meu ventre, morando por horas e horas dentro de mim, sem me prender, sem me cansar, pulsando no mesmo compasso.

Calou palavras cortantes, dividiu o peso da bagagem até que eu mal notasse as marcas em meus ombros. Me descobriu em doses homeopáticas.
Me leu. Me pontuou. Me agradeceu por ser poesia. Ainda.
Fechou feridas, beijou lágrimas, não torceu o nariz para o sangue do meu corpo. Me ajudou a limpar o que ainda escorria da alma.

Me fez escolher todos os dias. Entre por quem e por quês, você.
Nos escolhemos nos encolhendo nos abraços, nos abrigando aninhados em um mundo grandioso que só cabe a nós dois.
Me fez escolher ficar. Morar. Namorar.
Reformar a morada.

Me fez ser sol, me fez ser sim.
Regou. Me fez planta viva. Me fez ter vontade de germinar flores com teu nome.
Me fez asas. Me fez fênix.
Me fez. Teu trajeto.
Minha glória.

E já nem lembro o que são janelas fechadas, portas trancadas, silêncio triste.
Já nem me lembro como era ter medo do toque - dos dedos - na alma.
Já nem lembro que cheiro tinha o sangue pisado por gente de alma que não ama.
Já nem lembro os nomes, as partidas,os motivos. Já nem lembro porque alguns foram alguma coisa durante um tempo e nem me importo mais pelas despedidas que nem sempre aconteceram.
Já nem sei como era a vida antes. Porque não era vida. Era espera.
E Agora já não é.

Eu já disse hoje que te amo?

❁❁❁



ANA CAROLINA SOUZA.
Jornalista por indução do destino, são paulina por carma. Apaixonada por gatos, praia, livros, carnaval, coca cola e umas delícias a mais. Aquariana com ascendente em áries. Tia babona. Mulher forte e chorona. Menina boba, dessas que escreve para não explodir e ainda acredita no amor.
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Quando dei por mim, já estava armada até os dentes. Eu lembro bem o dia que dei um passo para trás, mas achei que iria recuar um tanto e nada mais mudaria. Como fui tola. Eu não havia percebido que meus pés já estavam fora do chão e, dar um passo para trás, nada mais foi que por os pés de volta em terra firme. Assim que a sola do sapato repousou tranquilamente no chão, comecei a me armar.

Você tem todas as armas para destruir minhas armaduras e eu finjo que não as vejo, por pura defesa. Eu me calo por defesa. Eu me escondo por defesa. Eu sou uma estúpida idiota, mas é tudo, tudo, tudo, só para me defender. E, quando dei por mim, já estava armada até os dentes – e triste.

Eu estou pincelando uma realidade comum e escondendo os sentimentos debaixo do tapete, porque eu não quero lidar com eles. Mas eu sei que eles estão ali, porque a rotina não me deixa esquecer. Eu amo detalhes, sabe? E tem detalhes teus demais, por todos os lados, todos os dias. É uma música que invade minha playlist, uma imagem que aparece na minha timeline, um poema que ouvi na rádio, um sorriso que enviam sem querer e sem saber o sentido.

É você, ali; no riso, na música, no pôr-do-sol, na grama orvalhada, no vizinho que dedilha um violão surrado. E eu finjo que não vejo, mesmo os pelos denunciando que detectaram a tua presença. Sem me dar conta, meus dedos na procuram teu nome e eu quero contar qualquer besteira, como fazia antes de me armar por completo. Eu pensava menos, agia mais. E arrepiava inteira, o tempo todo.

Eu acordava buscando teu bom dia. E o dia só ficava bom depois daquele riso-dois-pontos-e-parênteses. Eu ria por fora. Eu sorria por dentro e era um desses sorrisos que tingem a íris, sabe? Quando o olho fica pequenininho de felicidade? Aí o olhar mudava o tom, entre um verde-folha-seca e um castanho-qualquer-cor e desviava os olhos do espelho que era pra não ver o tanto de você tinha na íris que acabou de brilhar também.

A rotina vai se arrastando. Pesada. Eu não procuro mais o bom dia, porque sei que ele quase não vem. E eu minto para mim que está tudo bem e que não faz falta. Mas faz, e eu fico miúda e até o céu muda de cor. Agora que dei por mim, estou armada até os dentes. E talvez você esteja cansado de me desarmar.

E, honestamente, eu te entendo. E vou dizer que tudo bem, porque eu quero acreditar que está tudo bem também.

❁❁❁
MAFÊ PROBST.
Santa Catarina. Escritora, blogueira e engenheira. Praticamente uma hipérbole ambulante. Autora de Saudade em Preto e Branco. Tem dezenas de projetos em andamento e sonha abraçar o mundo. Colecionadora de sorrisos, dentes-de-leão e clichês.

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Eu que gosto de expressar através dos clichês tô aqui pra mais uma vez deixar minhas palavras sobre fatos que se repetem e podem acontecer com qualquer um de nós, ou com quase todo mundo.

Tá confuso? Pera! Eu preciso começar de alguma forma porque confesso que não estava preparada para mais uma vez me deparar com o "novo". Para que você entenda, preciso só desabafar minhas dificuldades em aceitar que amanheci sem uma parte de mim, não sou a mesmo de antes, simplesmente por não ter com quem continuar dividindo meus planos de uma vida inteira. Ele parecia ser perfeito, se encaixava melhor do que ninguém em qualquer lacuna aberta à espera pra ser preenchida.

Apesar de ele ser um tipo mais descolado, do que não liga pra pentear o cabelo prum lado só bagunçando sempre que está nervoso ou ansioso, de curtir um suco de laranja bem azedo e amar carne mal passada em churrasco, de eu sentir necessidade de não trocar de perfume nunca por que acho que o cheiro da pessoa é “cheiro da pessoa”, de deixar bem claro que doce pra mim é uma das maravilhas do mundo sim e repetir toda vez o ditado que diz “de amargo já basta a vida”.

Tudo bem que a gente pode se enganar com as pessoas, que infelizmente isso é mais normal do que imaginamos, mas com ele era diferente entende?! A gente combinava de uma maneira única, mesmo ele preferindo mar e eu cachoeira, ele macarrão eu arroz, independente de eu nunca ter comido jaca e ele insistir que é independente da aparência é uma fruta gostosa, e olha que quase discutirmos por eu ter opinião sobre algo sem ao menos ter experimentado, o fim até agora não fazia parte de nenhuma conversa, nem quando brigávamos feio e dormíamos sem ter feito as pazes!!!

Acontece que eu não sei lidar com essa condição de ter que ver tudo como novidade outra vez, me assusta ao ponto de não me permitir dar um passo sem cair no choro e sentir medo, anda tudo misturado aqui dentro, nada que ele tenha feito conseguiu destruir o sentimento por completo, eu sei que tô sendo muito ruim comigo mesmo, que meu Amor Próprio ainda não mostrou as caras, mas eu dependo de usar minha sinceridade e derramar aqui toda essa minha loucura, que é ter que seguir sozinha de novo, reaprender o vazio, a saudade, a ausência e mais importante ainda, compreender que as pessoas são responsáveis pelos seus erros e a gente colhe sim o que planta, mas às vezes é preciso que o tempo faça a parte dele e enquanto isso, eu tento vagarosamente a suportar a realidade e considerar o mal que ele fez pra gente.

Eu me culpo, afinal deveria ter reparado nas dicas que estavam escancaradas cotidianamente, quando dormíamos cada vez menos vezes juntos, quando o dia 25 era apenas mais um dia comum e não mais uma data pra comemorarmos, ou então quando os motivos para ficar longe eram medíocres e sem qualquer justificativa. Eu devia ter entendido, vai ver eu sabia no que ia dar, mas preferi ficar com os olhos vendados. Não dá pra desconsiderar que assim como o novo se apresenta à minha frente, tenho que guardar na memória os erros, as dores, as lições até aqui. Não posso ignorar os fatos e deixar que o coração me domine ao ponto de me cegar mais uma vez, por isso é que mesmo doendo eu vou aceitar a condição da vida que é de que sempre pode haver um tudo novo de novo.

❁❁❁

JOANY TALON.
Pra quem acredita em horóscopo é Canceriana, nascida em Araruama no dia 15 de julho de 1986, assistente social pela Universidade Federal Fluminense, e agraciada por Deus pelo dom de transformar em palavras tudo que sente, autora dos livros “Cotidiano & Seus Clichês” e “Intrínseco” e co-autora no livro “Pequenices Diárias”

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Às vezes o universo nos dá umas surpresas incríveis. Dessa vez, ele me deu você.

O universo fez um ótimo trabalho e trouxe um presentão pra minha vida. Não sei se esse presente se tornará futuro, mas tem feito um ótimo papel como presente. Sorrisos, suspiros, sonhos e brilho nos olhos gerados de uma forma tão singela e simples, que me deixam até sem palavras e com um sorrisão no rosto.

Por falar em sorrisos, tem um bem aqui no meu rosto enquanto despejo essas palavras na tela do computador que me encarou em branco por tantos dias. Acho que o universo viu que eu precisava de uma mãozinha pra escrever e mandou esse presente.

Presente que me salvou do presente, pode isso? Se não podia, agora pode. E posso te dizer? Faz um bem danado! Saber que no meio da correria do dia a dia vai ter alguém ali que vai te salvar de uma crise nervosa falando sobre qualquer coisa, só pra te ver com um sorriso no rosto. Isso faz a gente acordar até mais feliz numa segunda feira 6h da manhã (ou menos mal-humorada).

Presente futuro. Acabei de inventar isso pra dizer o que quero que você seja. Meu presente no presente, meu presente no futuro, e presente no meu futuro.

O universo me deu você de presente e você me deu um novo universo de presente. Um universo de novas possibilidades, de novos achismos, de novas ideias, um universo inteirinho desconhecido que eu não posso esperar pra conhecer!

Confesso que as vezes me assusto com a proporção dos presentes que o universo me dá. Mais ainda com a intensidade que esses presentes trazem. Sim, eu travo, eu tenho medo, mas eu gosto. Gosto de quando as coisas são intensas, de quando elas exigem que eu me jogue pra saber o que tem lá no final. Mesmo que as vezes tenha só um muro que eu tenho que quebrar e buscar novos caminhos, a caminhada vale a pena.

Os sorrisos trocados, as coisas gracinhas que são ditas, os momentos amorzinhos compartilhados, a doçura de um amor sutil que se surge. Tudo isso faz o presente valer a pena.

Seja o presente que a vida me deu, seja o presente em que vivemos.

Apenas, obrigada universo!

❁❁❁
MARINA COUTO.
21 anos, estudante de Letras, forrozeira e apaixonada por palavras. Escrevo pra me sentir livre, não tenho destinatário certo, acho que assim fico mais desapegada e escrevo Com a alma. Gosto de escrever para as outras pessoas saberem que não estão sozinhas. Quem vai ser meu interlocutor? Quem ler decidirá se aceita ser ou não. Se você se identificar, é um novo interlocutor, escreverei pensando que não estou só. Escreverei pra nós

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Fazia um frio daqueles que a gente só deseja chocolate quente, edredom e Netflix. Beatriz havia se mudado há poucos meses para São Paulo e ainda estava se adaptando ao novo clima da cidade da garoa. Era sábado a noite, dia sagrado de sair com os amigos pra falar besteiras e esquecer a semana ruim. Era o que normalmente faria se ainda morasse em sua antiga casa, em Belo Horizonte. Ela cresceu em Beagá, era cercada de amigos de infância, do ensino médio, da faculdade e até do ponto de ônibus. Sem contar a família enorme e cheia de primos. Bia era desse tipo de pessoa que todo mundo gosta de ter por perto, sabe?

Mas, desde que sua rotina mudou completamente, Bia não tinha conseguido inserir novas pessoas em seu ciclo social. Até tinha alguns colegas do trabalho novo que a tratavam super bem e amavam seu sotaque mineiro, mas eles sumiam após o expediente. Era cordialidade e coleguismo, estava longe —bem longe — de ser amizade. Mas tudo bem, a sua maior preocupação agora era aprender a cozinhar igual aquele canal do youtube, pagar o aluguel e chegar ao final do mês sem tantos apertos. Ah! aprender a usar o metrô e todas as suas mil cores e linhas seria bem útil também.

Morar sozinha não estava sendo uma tarefa muito fácil. Ela sempre imaginou apenas a parte boa da independência, privacidade e liberdade, mas esquecia que junto com tudo isso vinha também responsabilidade pra caramba no pacote.Tudo bem que andar semi nua pela casa e ouvir música no volume que quisesse era uma vantagem das boas, mas sentia falta de alguém falando pra ela não andar descalça,e da comida quentinha que sua mãe fazia. Pizza dormida no café da manhã é uma delícia, mas não se for mais de três vezes na semana. Tem uma hora que você quer arroz branco fresco fumaçando e qualquer outra coisa que não pareça com a sessão de congelados do supermercado. Principalmente o pão de queijo. Pão de queijo daquele freezer, definitivamente não era pão de queijo, uai!

A Beatriz de alguns meses atrás só queria dizer pra Beatriz de agora que café de coador de pano é incomparavelmente melhor que os das cápsulas da Dolce Gusto. Aliás, seria tão bom se a gente pudesse se dar esses auto-conselhos, né? Acho que no final das contas, ninguém quer a gente melhor do que a gente mesmo. Não é egoísmo, é porque a gente se conhece tão bem, que só nós sabemos aonde realmente falhamos — por mais que muitas vezes a gente não queira admitir — e aonde podemos melhorar.

Talvez tudo tivesse sido um bocadinho mais fácil se Beatriz se ouvisse com a mesma empolgação que ouve uma canção de The Strokes, sua banda de indie Rock preferida. Ela sentia muita falta de ir nos pub's de Beagá com os amigos e cantarolar bem alto, sem vergonha do seu inglês meio enrolado. Mas se tem um lado positivo nisso tudo e que a fez refletir bastante, é que nós somos a companhia que nunca podemos abandonar. Por mais queridos que sejamos, por mais amigos que tenhamos e por mais que a convivência com a família seja a melhor possível, não podemos nos mudar da gente. Somos a nossa morada permanente. Não pagamos aluguel e nem fazemos financiamento.

Claro que podemos, — e aliás, devemos! — mudar alguns móveis de lugar, nos adaptar, e não ter 'aquela velha opinião formada sobre tudo'. Mas de nada adianta a gente ser querido por todos, se não soubermos conviver com a gente mesmo, com as nossas manias que queremos obrigar o outro a suportar. Eu moro em mim, mas e aí, vamos dar um passeio? Soube que na esquina da sua casa tem um sorvete de frutas maravilhoso.

❁❁❁

SUÉLEN EMERICK.
24 anos. Brasiliense que vê poesia no cinza do concreto. Jornalista que escreve por/com amor. Uso vírgulas e crases imaginárias pra contar histórias, e o coração pra vivê-las.

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''É que, meu bem
Eu nasci livre
Ao invés de me prender
Por que não voa comigo?''

Por que será que isso me prende tanto ao ponto de sufocar, de me fazer entrar em desespero e ficar com falta de ar? Era pra ser algo prazeroso, não?! Pára de fazer meu peito apertar! Tenho medo desse nosso contato, tenho medo dessa magia se tornar uma obrigação. Pois as brigas já começaram e você já ergueu a mão para mim, lembra? Não, provavelmente não. Tudo poderia ser mais fácil, se aprendêssemos a ceder, acatar também a vontade do outro. Mas tudo é como você quer, e 'ai' de mim se reclamar. Afinal, sou propriedade sua, certo?! Não.

Você resolveu me prender, colocar num potinho, um potinho só seu. Mimar, cuidar, proteger e todas aquelas coisas meigas de um relacionamento. No começo até me fez bem, um bem danado por sinal, porém o tempo foi passando e o espaço foi apertando. Como aquelas calças que insistimos em tentar vestir após engordar alguns quilos nas festas de final de ano. Quase nunca dá certo, e quando dá se torna desconfortável. Você queria mais de mim e eu mais de espaço. Você queria o meu bem, mas acabou me sufocando. Certa vez ouvi que um casal é como um pilar de uma casa, um precisa do outro, mas se estiverem muito colados a casa cai.

Existe a proteção, o cuidado e a base de um relacionamento, eu sei. Mas eu só quero voar, não pra tão longe, mas eu quero conhecer esse mundão lá fora, sabe?! Eu quero aprender a voar, ter minha liberdade, esticar minhas asas e sentir o vento frio contra meu rosto, respirar fundo e perceber como é bom ter meu espaço, sorrir para o céu e tocar as nuvens, até que no fim de tarde eu voltarei ao teu aconchego, me encaixarei no teu abraço, e ali ficarei. É só você não me prender.

Antigamente teu abraço era o lugar onde eu preferia estar, trocaria tudo pelo teu aconchego já que teu cheiro me enebriava, teu toque me arrepiava e tua respiração me acalmava. Com certo tempo, suas palavras se tornaram ásperas e me feriam com violência, seus carinhos já estavam se tornando agressivos e sua proteção se tornou obsessão. Mas pra não me deixar ir, você apertou demais o abraço, aquilo me sufocou, me fez querer voar, e eu voei.

Ainda dá tempo. Vem, vem voar comigo? Por que ao invés de me prender, você não alça esse voo comigo? Podemos desfrutar juntos dessa imensidão de céu, de liberdade. Podemos ser fechados apenas no nosso canto, no calor do momento, entre quatro paredes.

Eu sempre fui livre, então não queira me prender, não queira me sufocar, a não ser que seja num abraço após dias sem se ver. Eu te peço um pouco mais de espaço, só um pouco. Fica aqui comigo, mas me deixe voar, você sempre soube que eu volto pro aconchego dos teus braços. É só me deixar livre.

❁❁❁
LAYLA MOTA.
16 primaveras. Uma baixinha arretada e apaixonada por um ilustrador. Aspirante à blogueira, escritora e desenha nas horas vagas. Louca por fotografias e pôr-do-sol, cristã evangélica de corpo e alma. Coleciona sonhos, histórias e gosta de compartilhá-los com gente que gosta da gente.

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De acordo com o dicionário informal: condescendência (sf) atitude de uma pessoa que concorda com alguma coisa fazendo sentir que poderia recusar. Complacência, tolerância, transigência. Comportamento de quem acompanha, por medo ou por fraqueza, os preceitos do dever, da honra, da honestidade.

Que eu não era a pessoa ideal para ele, eu soube rapidamente. Caras fechadas, desconfiadas das minhas origens (sempre piores, sempre) e desconfiados das minhas intenções. Acontece que a minha intenção sempre foi ser feliz e não acho que isso seja impossível ou pedir demais em um relacionamento. Se dois não querem, que não fiquem juntos, mas o que acontece muitas vezes? O cara "não quer", enrola até onde consegue, quer transar sem compromisso e muitos até mentem falando que o relacionamento será retomado quando na verdade só queriam uma transa morna de 10 minutos - em que só o cara goza, geralmente.

Quando estamos em um relacionamento abusivo fica complicado perceber que o erro não é só nosso, porque é isso que um abusador faz. Ele nos entrega a culpa como um presente e pro resto do mundo diz: "alá, ela é louca", sendo que o resto do mundo, mesmo sabendo metade das merdas que ele faz, apenas ouve. Quem cala, consente. E se isso não é uma forma de compactuar com o abuso, me digam o que é, porque foi isso que eu vi ao longo de vários anos. E dói. Dói pra caramba se ver sozinha - porque ele te afasta das pessoas -, se achando horrível e culpada e nenhum filho de deus pode dizer: "calma, a culpa não é só sua. Vou dar um toque nele, não é possível que ele ache isso normal". Mas NINGUÉM faz isso.

"É inútil obter por piedade aquilo que desejamos por amor", disse Victor Hugo. Mas a verdade é que quando se está em um relacionamento abusivo, qualquer migalha de atenção é um mundo inteiro para quem quer amor e ser amada. A vida segue, o tempo passa, o ciclo de abusos não é quebrado e muitas vezes a pessoa tem a vida INTEIRA mudada por esse abuso constante. E sempre tem algum sábio e iluminado pra te falar: mude você já que ele não muda. Sempre disseram para mudar. Mudei. Mudei trinta e cinco vezes e NADA que eu fiz ajudou a melhorar a relação ou postura dele em relação a mim. Absolutamente nada. 

Sempre me aconselharam a esperar, a ficar calada, a ser omissa e eu nunca quis ser assim. A ele, ninguém aconselhou a ser mais tranquilo, mais humano, mais compreensível ou razoável, porque vamos combinar: homens agem assim mesmo, né? Mesmo as pessoas que abominam o "homens são assim mesmo", silenciosamente assinam embaixo disso, já que não podem aconselhar os próprios parentes e/ou amigos para quebrarem um ciclo de abuso ou pelo menos a serem menos babacas e não atrapalharem a outra pessoa.

E às vezes a gente muda tanto, mesmo sem querer, mesmo tolhendo traços da nossa personalidade que amamos muito um dia. E aí percebemos que nos tornamos o tipo de mulher que jamais imaginávamos nos tornar e as coisas ficam pesadas. Continuamos aceitando os abusos por pura falta de estrutura, por ouvir mil clichês e acreditar neles, assim como pela falta de apoio das pessoas também. Porque quando se está em uma relação abusiva (seja ela amorosa ou não), é muito difícil alguém que não tenha passado por algo parecido te apoie de alguma forma efetiva.

As mesmas pessoas que discutem teorias feministas, são pró mulher e o caramba a quatro simplesmente desaparecem e declaram não querer se envolver quando se trata de um amigo ou parente sendo abusivo. Muitos até perguntam qual a sua parcela de culpa nisso aí. Porque né, gente, o motivo do cara ser abusivo não é o caráter dele e sim o que a mulher "desperta" nele. Aí voltam os gênios a repetirem: "se ele não muda, mude você".

Então que não me venham com os papos desconstruidões quando ninguém pode dar pelo menos um toque em caras babacas quando eles fazem parte do próprio círculo social e familiar. Essa condescendência acaba gerando um ciclo de abusos infinitos, porque não é com a MULHER dizendo "olha lá, ele é abusivo" que o cara vai parar, A GENTE SABE que não funciona assim.

Quando se fala sobre relacionamentos abusivos, as pessoas geralmente pensam em homens sem instrução, aqueles broncos bêbados batendo nas mulheres, as humilhando e privando-as dos próprios direitos. É sempre bom lembrar que homens classe média/alta, com profissões respeitadíssimas, brancos e "super inteligentes" também são abusivos, tá? E muitos deles se acham super certos e no direito de foder com a vida e o psicológico de uma mulher porque quem vai impedi-los. Ao ouvir "não existe lei que me impeça de fazer isso", percebi como a condescendência alimenta o ego, a manipulação e a sensação de poder de um cara sobre outra mulher.

Todo mundo vê o processo de destruição da mulher em um relacionamento abusivo, mas quem ajuda de fato a quebrar esse ciclo?


JU UMBELINO.
Mineira que escreve para mandar a ansiedade embora. Viciada em seriados, filmes e música. Ama quadrinhos e livros. Prefere ficar em casa do que ir pra balada.

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